ELE A DEMITIU SEIS ANOS ATRÁS

Lucas Avelar sempre ouvira o mesmo som em sua rotina: o eco das malas rolando pelo chão do Aeroporto Internacional de Guarulhos, misturado às vozes mecânicas dos avisos de embarque. Para um homem acostumado a viver entre jatinhos, fusões empresariais e salas VIP, aquele barulho era quase uma trilha sonora.

Aos 43 anos, fundador da Avelar Investimentos, Lucas caminhava rápido, firme, calculado.
Nada o tirava do foco.
Nada o fazia parar.

“Senhor Avelar, a equipe de Londres já está na chamada de vídeo, perguntando se o senhor embarcou”, informou seu novo assistente, Gabriel, tropeçando enquanto equilibrava três celulares, um tablet e um café que quase caiu no chão.

“Diga que esperem”, respondeu Lucas sem sequer virar a cabeça.

A fusão com o grupo europeu seria o maior negócio do ano — R$ 6,5 bilhões — e garantiria a ele um lugar definitivo no mercado internacional.

Mas tudo isso se dissolveu no ar quando uma voz infantil cortou o burburinho do aeroporto:

“Mamãe, tô com fome…”

Lucas parou.
Ele nunca parava.

E então a viu.

Sentada em um dos bancos metálicos estava Helena — encolhida, abraçando duas crianças pequenas, um menino e uma menina, gêmeos de cerca de cinco anos. Um pacote de biscoito quase vazio era dividido entre eles.

O casaco dela era fino demais para o inverno.

A primeira reação de Lucas foi automática: julgar.
Pobreza.
Descuido.

A segunda foi como um soco na boca do estômago.

Ele conhecia aquele rosto.

Aquele rosto discreto, respeitoso, que durante dois anos serviu à sua casa em Higienópolis.
A funcionária silenciosa que sempre fazia tudo sem reclamar.
A mulher que, um dia, simplesmente não voltou ao trabalho.

Ele não a via havia seis anos.

“Senhor?”, perguntou Gabriel, sem entender por que o chefe havia parado.

Lucas não respondeu.
O mundo ao redor virou ruído branco.

“Helena?”, ele chamou, quase sem voz.

Ela o ouviu e empalideceu.
Seu corpo inteiro tensionou — como se tivesse sido pega fugindo.

“Senhor Avelar…?”, ela murmurou, puxando instintivamente as crianças para trás do próprio corpo.

Lucas deu um passo à frente.

“Por que você está aqui? Você… mudou.”

Helena desviou os olhos.

“Estamos esperando um voo.”

Ele, então, olhou para as crianças.

Ambas tinham cabelos castanhos iguais aos dela.
Mas os olhos…

Azuis.

O mesmo azul profundo, raro, marcante que sempre chamara atenção em Lucas.

Um arrepio atravessou sua espinha.

“Essas crianças são… suas?”, perguntou, com a voz mais baixa — e mais perigosa — que ela já ouvira nele.

“Sim”, respondeu ela rápido demais.

Lucas se agachou, ficando na altura deles — algo que nunca fazia.

O menino o olhou sem medo.
Uma curiosidade vibrante no olhar.
Familiar. Assustadoramente familiar.

“Qual é o seu nome, campeão?”, perguntou Lucas, tentando manter o controle.

O menino abriu um sorriso cheio de covinhas.

“Meu nome é Luquinhas!”

O ar faltou.

Luquinhas.
O apelido que apenas sua mãe usava quando ele era criança.
Ninguém mais.

Lucas levantou o rosto devagar, encarando Helena.

Ela chorava.
Não soluçava, não tremia — apenas deixava as lágrimas caírem, silenciosas, resignadas.

E naquele choro…

Ele entendeu tudo.


A VERDADE — O PASSADO REVELADO

“Helena… por quê?”, perguntou ele, agora sem a voz do empresário, sem o tom autoritário — apenas um homem confuso, ferido.

Ela respirou fundo.

“Eu fui embora porque não tinha escolha.”

“Você poderia ter falado comigo!”

“Falado o quê, senhor Avelar?”, ela rebateu num sussurro. “Que eu estava grávida? Que as crianças podiam ser suas? Você me demitiu no dia em que tentou… que tentou me beijar na cozinha, lembra? No dia em que eu me afastei e o senhor achou que eu havia ‘perdido a postura profissional’.”

Lucas ficou imóvel.

Aquilo, ele lembrava.
Mas lembrava diferente.
Lembrava como uma rejeição desconfortável, um mal-entendido… algo que preferiu esquecer.

Ela continuou:

“Eu pensei que… se dissesse que estava grávida… você pensaria que eu estava tentando me aproveitar. E eu não queria isso. Eu não queria nada de você.”

As crianças observavam tudo, sem entender.

“Eu saí porque precisava proteger meus filhos. Eu achava que podia criar os dois sozinha. Que seria suficiente.”

Ela abaixou o rosto.

“Mas não é. Eu perdi meu emprego. Estamos indo para a casa de uma prima em Recife. Não tenho mais dinheiro para ficar aqui.”

Lucas sentiu algo que não sentia havia anos: culpa.

E medo.

Medo de perder algo que nunca soube que tinha.


O DESFECHO — A DECISÃO FINAL

Ele se levantou devagar.

“Helena… eles são meus?”, perguntou, sem rodeios.

Ela hesitou… e finalmente assentiu.

“São.”

A resposta derrubou tudo o que sustentava Lucas Avelar:
Orgulho.
Arrogância.
Impenetrabilidade.

Diante dele estavam seus filhos.
Cinco anos.
Olhos iguais aos dele.
Um deles carregava seu apelido de infância — sem nem saber o que significava.

Lucas olhou para Helena, e então para as crianças.

“Vocês não vão embarcar em voo nenhum.”

Ela arregalou os olhos.

“Lucas, por favor não—”

“Vocês vêm comigo. Agora. Vou cuidar de tudo. De vocês. Do futuro deles.”
Ele respirou, pesado.
“E… se você permitir, quero fazer parte da vida deles. Quero reparar o que fiz.”

Helena chorou de novo — mas dessa vez, as lágrimas não eram apenas de medo.

O menino segurou a mão de Lucas naturalmente, como se já o conhecesse.
A menina sorriu.

E, pela primeira vez em décadas…

Lucas Avelar perdeu um voo.

Mas ganhou algo maior.

Algo que dinheiro nenhum compra.

Uma família.

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