O relógio marcava 14h quando o sexto interrogado do dia tomou seu lugar no plenário da Primeira Turma. A sessão não era ordinária — era histórica. Ao seu redor, ministros atentos, advogados em tensão visível e um país inteiro em expectativa. Bolsonaro, acusado de ser o cérebro de um movimento golpista, sabia: qualquer palavra em falso poderia ser fatal.
“Me desculpe”
O momento mais cortante da tarde aconteceu quando o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, confrontou Bolsonaro sobre uma antiga e grave acusação feita por ele próprio: a de que ministros do STF estariam envolvidos em recebimento de propina durante as eleições.
— , perguntou Moraes, encarando-o diretamente.
A resposta veio sem titubeios, mas com um peso que ninguém esperava.
—
O pedido de desculpas de Bolsonaro ecoou como um sussurro desconcertante em meio ao ambiente carregado de tensão. O homem que, por quatro anos, encabeçou o poder máximo da nação, agora se explicava diante da mais alta Corte.
Imagens vetadas e silêncio estratégico
Horas antes do interrogatório, um novo embate jurídico: a defesa do ex-presidente solicitou exibir vídeos durante o depoimento — gravações que, segundo os advogados, comprovariam a ausência de qualquer intento golpista. O pedido foi negado por Moraes, que autorizou apenas a anexação dos vídeos ao processo, não sua exibição imediata.
Bolsonaro, ao chegar para o interrogatório, resumiu sua frustração em uma frase enigmática:
—
Curta, seca e ambígua. A frase ficou no ar como um quebra-cabeça sem peça final. Nada encontrado? Nada a temer? Nada a dizer?
Testemunhos pesados e o “núcleo crucial”
O depoimento de Bolsonaro fechou um ciclo intenso de interrogatórios iniciado ainda na segunda-feira.
Já haviam prestado declarações o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o deputado federal Alexandre Ramagem.
Nesta terça pela manhã, foi a vez de figuras-chave no cenário militar e político do país: o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier; o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres; e o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional.
Todos são apontados pela PGR como integrantes do chamado “núcleo crucial” de uma organização criminosa que, segundo as investigações, arquitetou um plano de ruptura institucional logo após as eleições de 2022.
O que vem a seguir
Com os interrogatórios chegando ao fim, o processo entra em sua fase final de instrução — o momento em que provas e testemunhos se alinham para construir o esqueleto do julgamento.
Caso não haja novas diligências solicitadas, defesa e acusação terão 15 dias para apresentar suas alegações finais. A partir daí, o destino dos réus estará nas mãos da Primeira Turma do STF.
E os crimes imputados não são leves. A PGR lista cinco acusações contra os envolvidos:
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Tentativa de golpe de Estado
Organização criminosa
Dano qualificado contra o patrimônio público
Deterioração de patrimônio tombado
As penas combinadas podem ultrapassar 30 anos de prisão.
Ficção política ou crime histórico?
O Brasil agora se vê diante de um dilema institucional.
O julgamento não é apenas sobre atos do passado, mas sobre o futuro da democracia. As perguntas se acumulam: houve realmente uma tentativa de golpe? Bolsonaro foi o mentor ou apenas parte de um jogo maior?
Nos bastidores do STF, ministros evitam comentar, mas a atmosfera é de alerta. Enquanto isso, do lado de fora, a opinião pública se divide, os ânimos se acirram, e o país assiste, entre perplexo e esperançoso, ao desenrolar de um capítulo que pode reescrever sua história.
Uma coisa é certa: o fim dessa história ainda está longe — e, quando vier, trará consequências profundas para o Brasil.