Marina Abramovic, uma artista sempre à frente do seu tempo, realizou uma performance que deixou o mundo perplexo. Intitulada “Rhythm 0” , essa peça consiste em algo que parece inimaginável para muitos: por seis horas, ela ficou completamente à mercê do público, permitindo que fizessem o que quisessem com seu corpo. E, para adicionar um elemento ainda mais perturbador, 72 objetos variados estavam à disposição das pessoas. Esses objetos são desde itens inofensivos, como uma rosa e perfume, até navalhas, facas e, surpreendentemente, uma arma incluída.
No início, os espectadores se comportaram de maneira relativamente tranquila. Eles interagiram de forma suave com Abramovic, entregando flores, beijando-a e observando-na em silêncio. Era uma calma que contrastava financeiramente com o que viria a seguir. No entanto, à medida que o tempo passava, a natureza humana começou a se revelar de maneira sombria. Um dos momentos mais chocantes da performance foi quando uma pessoa usou uma faca para cortar partes das roupas da artista. A situação, antes da importação, tornou-se perturbadora e violenta.
Fotos tiradas durante a performance mostram Abramovic em lágrimas, completamente vulnerável. Mais tarde, ela comentou sobre a experiência, dizendo que estava “pronta para morrer”. Em uma entrevista ao jornal The Guardian em 2014, ela revelou que, entre os objetos disponíveis, havia uma pistola incluída. Esse detalhe adiciona uma camada ainda mais trágica e perigosa à performance, já que, em determinado momento, alguém apontou essa arma diretamente para a cabeça dela.
A situação piorou de tal forma que uma pessoa chegou a cortar o pescoço de Abramovic, não de forma fatal, mas o suficiente para que alguns presentes tentassem intervir e ajudá-la. No entanto, a dinâmica de poder entre o público e o artista já estava completamente desequilibrada. Apesar dos esforços de alguns para mantê-la, muitos outros se entregaram à crueldade. A linha entre a arte e a barbarie ficava mais tênue a cada minuto que se passava.
Quando finalmente as seis horas de apresentação chegaram ao fim, algo inesperado aconteceu. Abramovic, que até então tinha se mantido imóvel, substituído o controle de seu corpo e começou a se mover novamente. A ocorrência do público foi imediata: as mesmas pessoas que tiveram sido tão agressivas ou indiferentes fugiram. Ninguém conseguiu lidar com a presença de Abramovic como uma pessoa real, com sua própria agência. O que antes era visto como um objeto passivo de experimentação artística, agora se transformou novamente em uma figura humana, e isso foi insuportável para aqueles que se submetiam a tamanha violência.
Refletindo sobre essa experiência brutal, Abramovic aceitou percepções profundas sobre a natureza humana. Ela afirmou que, durante uma performance, as pessoas passaram de um comportamento carinhoso para atos de agressão extrema, conforme se sentiam mais livres para agir sem restrições. Sua conclusão foi clara: “A experiência que tirei dessa peça foi que você pode ir muito longe em uma performance, mas se deixar as decisões para o público, você pode ser morto.”
O impacto psicológico dessa performance é inegável. Abramovic sobreviveu fisicamente, mas como cicatrizes emocionais funcionais. Ela nos apresentou, através de “Rhythm 0” , uma dura lição sobre a vulnerabilidade, a confiança e a natureza humana. Em um ambiente onde as pessoas se sentiam livres de julgamentos e responsabilidades, as máscaras sociais caíram, revelando o lado mais cruel e imprevisível do ser humano.
Essa performance também levanta questões sobre a própria cultura do espetáculo e da violência, que não é exclusiva de um lugar ou tempo. No Brasil, por exemplo, podemos traçar paralelos com a forma como o público, muitas vezes, se comporta diante de situações de extrema vulnerabilidade, seja em programas de televisão que exploram o sofrimento alheio ou em características como o “linchamento virtual”. A ausência de consequências imediatas para ações cruéis pode levar a comportamentos desumanos, seja nas ruas ou no ambiente digital.
Além disso, o trabalho de Abramovic lembra a importância da empatia e da responsabilidade coletiva. A performance de seis horas pode ser vista como uma metáfora para situações cotidianas nas quais o poder é distribuído de maneira desigual, e o respeito pela dignidade humana é posto à prova. A questão que permanece é: como agimos quando nos é dado o poder total sobre o outro? Abramovic nos mostra que a resposta, muitas vezes, pode ser perturbadora.
Por fim, “Rhythm 0” não foi apenas uma peça de arte performática, mas um experimento social que revelou verdades sombrias sobre o comportamento humano. Ao se colocar completamente à mercê de outros, Marina Abramovic desafiou o público a confrontar sua própria moralidade. A lição que fica é que, quando as barreiras sociais desaparecem e a responsabilidade individual é retirada, a linha entre o civilizado e o selvagem pode desaparecer assustadoramente rápido.